É TAL O ESPLENDOR de um anjo, que as pessoas às quais eles aparecem muitas vezes se prostram por terra por temor e reverência para adorá-los, pensando que se trata do próprio Deus — conforme relato das Escrituras e
da vida dos santos. E assim que São João conta no Apocalipse:
“Prostrei-me aos pés do anjo para o adorar; porém ele disse-me: Vê, não faças tal; porque eu sou servo de Deus como tu .... Adora a Deus” (Apoc 22,9).
É essa natureza maravilhosa que vamos estudar agora.
Seres racionais e livres
Os anjos são seres intelectuais ou racionais, inferiores a Deus e mais perfeitos que os homens. Eles são puros espíritos, não estando ligados a um corpo como nós; são dotados de uma inteligência luminosa e de vontade livre e possante. Tendo sido criados por Deus do nada, como tudo o mais, os pelo próprio fato de serem puramente espirituais, são imortais, pois não têm nenhuma ligação com a matéria corruptível, como os homens.
Ao contrário da natureza do homem, que é composta (isto é, formada de dois elementos distintos, o corpo e a alma) os anjos têm natureza simples, puramente espiritual. Embora a alma humana seja igualmente espiritual, ela foi criada por Deus para viver em união substancial com o corpo; quando se dá a morte e a alma se separa do corpo, ela permanece em um estado de violência, enquanto
não se dá a ressurreição dos corpos. Já os anjos não têm necessidade de um corpo como o homem. Desse modo, é um ser muito mais perfeito, sendo inferior, quanto à natureza, apenas ao próprio Deus. Não se pode pois, ao pensar nos anjos, concebê-los à maneira de uma alma humana separada de seu corpo.
Esta última não é capaz daquilo que o anjo pode fazer sua simples natureza.
Tal como o homem, os anjos existem realmente enquanto pessoas; ou seja, eles são substâncias individuais, dotadas de inteligência e livre arbítrio*. Em outros termos, eles têm uma existência real, distinta da de outros seres, sendo capazes de conhecer, de amar, de servir, de escolher entre uma coisa e outra. Eles não são portanto, seres imaginários, fictícios, concebidos pelo homem como mero modo poético de exprimir-se, ou como personificações das virtudes e dos vícios humanos ou das forças da natureza, nem tampouco emanações do poder de Deus.
Os anjos foram elevados à ordem sobrenatural, isto é chamados a participar da vida da graça, cujo fim é a visão beatífica de Deus. Esta elevação é gratuita, mas
discute-se em que momento se deu (para São Tomás, foi no momento mesmo de sua criação); é de fé que os anjos deveram sofrer uma prova, porém não se sabe qual teria sido. Depois da prova cessou para eles o tempo de merecer; é também de fé que os anjos bons gozaram e gozam para sempre visão beatífica e que os maus foram condenados a uma pena eterna.
Conhecimento e comunicação angélica
É questão de livre discussão tudo quanto se refere ao conhecimento angélico, à comunicação de uns com os outros, bem como o que se refere ao seu ato de vontade; é certo que sua capacidade de conhecer — embora incomparavelmente
superior à do homem — é limitada: eles não conhecem naturalmente os mistérios divinos, nem o futuro livre ou contingente;* também é certo que têm pleno livre arbítrio.
Os anjos (e também os dem6nios, que são anjos pervertidos), pela sua própria natureza, não têm capacidade de conhecer o futuro que depende de um ato livre
de Deus ou do homem; porém, dada sua inteligência agudíssíma e seu conhecimento da natureza e de suas leis, eles podem prever qual o desenrolar dos acontecimentos, postas cenas causas. Também podem, em razão de sua
profunda penetração psicológica e do conhecimento da alma humana, fazer conjeturas mais ou menos prováveis de como os homens reagirão diante de determinada circunstância, e assim prever o que decorrerá daí.
Para dar uma idéia da perfeição do conhecimento angélico, parece oportuno transcrever a explicação do Cardeal Lepicier, grande especialista na matéria.
Comparando o modo de conhecimento humano com o angélico, ressalta o Cardeal que Deus infundiu no intelecto dos anjos, logo que os criou, representações de
todas as coisas naturais. Estas imagens “são não somente representativas de princípios gerais que regulam cada ciência particular, mas encerram também, distintamente, todos os pormenores virtualmente contidos nesses princípios, de maneira que uma e a mesma imagem informa amente angélica das particularidades de cada ciência. Não poderá pois haver confusão na mente angélica, quando ela passa da observação de um para a observação de outro...
“Um anjo, com um simples olhar à imagem que representa — digamos — o reino animal, conhece não só as várias espécies de animais existentes, mas também
cada indivíduo que exista ou tenha existido dentro de cada espécie, assim como as suas propriedades particulares e os seus meios de ação. E o mesmo sucede com o conhecimento de qualquer objeto, seja ele qual for, que se encontre no reino da natureza, seja orgânico ou inorgânico, material ou espiritual visível ou invisível.
Chama-se futuro livre ou contingente aquele que depende, seja da vontade divina, seja da humana. Distingue-se do futuro necessário, o qual não depende do livre arbítrio, mas decorre de causas que, uma vez postas, levam necessariamente a um determinado efeito. Assim, à noite sucede o dia; a semente, lançada à terra, germinará dentro de determinado tempo, se se verificarem todas as condições necessárias a isso, independentemente da vontade divina (que já está manifestada no ato da criação da espécie) ou da natureza humana.
“Por aqui se pode ver que a ciência humana é muito excedida pela ciência da mente angélica, tanto em extensão com precisão”.
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São Tomás explica do seguinte modo a comunicação dos anjos entre si: como nós homens, os anjos têm o verbo interior ou verbo mental, com o qual falamos a nós mesmos ou formulamos os conceitos interiormente. Mas, enquanto nós só podemos comunicar esse pensamento a outros por meio da palavra oral, ou de outro meio externo, pois entre nós e os demais existe a barreira do nosso corpo, que vela o pensamento, os anjos não têm essa barreira corpórea; assim, basta a eles, por um ato de vontade, se dirigirem a outros anjos, para que seu pensamento
— ou seja, esse verbo interior ou verbo mental
— se manifeste a eles.
Como os anjos são diferentes entre si, e uns são mais perfeitos que outros, os mais perfeitos iluminam os menos perfeitos cor comunicando-lhes aquilo que eles vêem mais em Deus.
Do mesmo modo, eles podem iluminar os homens, comunicando-lhes bons pensamentos, embora de forma diferente daquela pela qual um anjo se comunica com outro. Como a mente humana necessita do concurso da fantasia para entender as coisas, os anjos comunicam as verdades ao homem por meio de imagens sensíveis Quanto à vontade humana, só Deus ou o próprio homem são capazes de movê-la eficazmente; o anjo, ou outro homem. só podem movê-la por meio da persuasão.
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